sábado, 28 de dezembro de 2013

Os sapos

 


OS SAPOS

Manuel Bandeira

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
-"Meu pai foi à guerra!"
-"Não foi!" -"Foi!" -Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: -"Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
-"Meu pai foi rei!" - "Foi!"
-"Não foi!" -Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
-A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outro, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
-"Sei!" -"Não sabe!" -"Sabe!.

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


Imagem: Via page Peace & Love do Face.

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